quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Teologia e formação presbiteral

Frei Bernardino Leers

No passado, os cursos de teologia estavam fechados dentro de seminários, mosteiros e conventos, em que estudantes, professores, formadores e confessores de uma mesma diocese ou instituto religioso conviviam juntos. Os estudantes tinham tempo para estudar e contato direto com seus professores, usavam a biblioteca da casa e tinham as mesmas revistas científicas à disposição. Comunidades fechadas, de oração, estudo e consumo, eram exclusivamente masculinas; não entravam mulheres ou empregadas e os estudantes não tinham contato regular com mulheres fora de sua casa. Ao menos para os estudantes de teologia, a vida era interna e isolada do grande mundo.
Essa situação mudou muito, com repercussão direta na vida acadêmica. Muitos institutos teológicos não são mais moradias, mas escolas, visitadas por professores e estudantes que moram separados conforme sua pertença religiosa, seminário ou convento. Acabou a exclusividade masculina celibatária, pois, em muitos cursos, o gênero feminino começou a ocupar seu lugar, como professoras, estudantes e funcionárias. Aos poucos, a produção teológica e moral perde sua unilateralidade masculina e se torna colaboração comum da Igreja, Povo de Deus, em vez de limitar-se ao clero e futuro clero.

Certamente, depois do Vaticano II, a mudança da relação entre professores e estudantes ficou clara. O professor foi garimpando o vastíssimo campo da literatura internacional de revistas e livros. Por todos os lados, novas ideias, novas visões, métodos e interpretações brotaram por cima da terra da monocultura tradicional. O progresso das ciências e as mudanças dos costumes dos povos ocidentais criaram novos problemas perante a consciência coletiva cristã que não se deixavam resolver simplesmente com armas obsoletas e linguagens antigas que deram certo ontem. Apesar de todas as resistências, a teologia da libertação fertilizou as terras latino-americanas e se espalhou em outras formas pelo mundo cristão todo. Por causa do crescimento e extensão da problemática religiosa e moral, uma velha tradição se quebrou. Por obrigação interna das ciências teológicas, um único professor para dar a matéria toda se tornou frustrante. A especialização se impõe, com o risco de perder a visão sobre a globalidade dos problemas que a sociedade apresenta. Sem a tranquilidade da posse doutrinária, o profissional se tornou um eterno aprendiz, que precisa estudar muitos sacramentos oficiais e entrar no terreno extenso das ciências humanas.
Também a situação dos estudantes mudou muito. Morando fora do instituto teológico e vivendo, muitas vezes, em casas comuns e abertas entre famílias comuns, costumam ter trabalhos pastorais fora, encontrando-se com a vida social no bairro ou cidade, com mistura normal de homens e mulheres de todas as idades e condições, com suas qualidades e sombras. Essa expansão da rede de relações, geralmente de escala pequena, vem acompanhada com todo o campo variado da TV, de programas, novelas e filmes, textos de cantores, mensagens da Internet, vídeos, revistas ilustradas populares e tanto mais. Por esses canais de comunicação e pelos contatos e encontros com grande variação de pessoas, o "mundo" joga uma massa confusa e controvertida de informações nas cabeças. Na atualidade, estudantes de teologia não ficam alheios à situação complexa da sociedade de que participam com seus contrastes, discriminações, exclusões e anarquia de valores e estilos de viver, embora o cristianismo seja ainda a bandeira para encobrir a realidade de cada dia.

O material humano que se apresenta para estudar teologia é mais variável do que no passado. Deixando de lado as diferenças de nível intelectual e de formação escolar já recebida, são, principalmente as motivações dos estudantes que merecem atenção. Se leigos, homens, mulheres ou religiosas escolhem estudar teologia, eles se dedicam para chegar à maior compreensão, querem aprofundar sua fé e se orientar melhor no caos da problemática religiosa e moral que a sociedade e a vida apresentam. Gostando e interessado ou não, o candidato ao presbitério arrisca considerar o estudo apenas como uma passagem inevitável para chegar à realização de sua vocação ou sonho de ser padre. Os anos de teologia são um corredor composto ao lado da formação espiritual em sua comunidade vivencial, seus interesses pessoais e seus trabalhos pastorais no sentido mais largo da palavra. Sem diploma e deveres acadêmicos cumpridos, não haverá a festa da ordenação sacerdotal. O estudo da teologia há de dar também habilitação profissional para funcionar como ministro da Igreja. Mas o estudo sério serve em primeiro lugar para o autoenriquecimento pessoal, para a boca falar o que enche o coração. Esse “encher” exige concentração, tempo e perseverança nos estudos.

Estudar teologia exige tempo e esforço. Na sensibilidade dos tempos atuais, o tempo passa depressa demais e ninguém tem tempo para nada. Não basta ouvir aulas, atender a chamada e pôr cruzinhas no Diário de Classe. Fazer tempo e gastar tempo para interiorizar o conhecimento teológico na vida pessoal são responsabilidades que se impõem mais do que no passado com seus compêndios de teologia dogmática e teologia moral. Evangelizar os outros é um belo ideal. Mas não funciona sem o evangelizador se evangelizar a si mesmo, arraigar sua fé e expressá-la melhor em sua própria vida e convivência. O povo não é tão ignorante que não é capaz de avaliar a autenticidade religiosa e moral de seus pastores. Firmeza e estabilidade pessoal não se formam de um dia para outro. Para transmitir eficazmente a mensagem da Igreja ao mundo contemporâneo, a reflexão teológica em processo atual precisa ser absorvida e fertilizar a própria vida. Onde o Concílio Vaticano II abriu de novo a convivência, o diálogo e a colaboração com o mundo atual, mistura do humano, sub-humano e desumano em toda sua variedade, o estudo preparatório de teologia para o futuro sacerdotal exige mais, muito mais esforço e concentração. Pela dinâmica interna e crescente complicação da vida do povo, a situação do aprendiz de teologia se torna paradoxal.
De um lado, dispõe de muitas informações e publicações da teologia e outras ciências, doutro, amadurece mais lentamente na medida em que a sociedade e a vida eclesial se complicam mais e a “clientela” do clero tem mais problemas existenciais e não acredita mais tanto em “o padre falou”. Se o clero quiser ser mais do que funcionário ou administrador da “empresa” eclesial, o esforço disciplinado nos estudos teológicos preparará um homem profundamente religioso e honesto para se comunicar com o povo dentro e fora das igrejas.