Partilhamos com você alguns textos sobre o Fundamentalismo religioso cristão. Pense no impacto que ele provoca na teologia. Após ler, deixe sua opinião....
(1) Parte de entrevista com Bernardo Veiga, na revista eletrônica do IHU- Instituto Humanitas Unisinos, de São Leopoldo- RS
Como avalia que se estabelece hoje o diálogo entre as religiões, na prática, no Brasil?
Bernardo Veiga - Infelizmente, ainda existe no Brasil de hoje o problema do cristianismo fundamentalista, como vimos quando quatro jovens evangélicos, da denominação "Nova Geração de Jesus Cristo", foram presos por invadir um centro de Umbanda e quebrar imagens religiosas. Sem dúvida, é uma covardia e uma violência sem tamanho. Mas, em geral, acho que o Brasil tem muito a ensinar para o resto do mundo. O nosso diálogo hoje faz parte de uma boa herança cultural já estudada por Gilberto Freyre em Casa-grande & senzala. Claro que ainda temos os velhos preconceitos clássicos com relação a algumas religiões africanas, como, por exemplo, a tentativa por parte de alguns cristãos de converter os crentes dessas religiões africanas sem respeitar a liberdade de suas consciências. Mas ainda parece que temos uma disposição positiva em relação às diferenças religiosas.
O senhor defende que as bases do diálogo entre as religiões devem se fincar em algo que é comum a todos antes de optarem por uma religião. O que seria esse "algo comum"?
Bernardo Veiga - O algo comum a todas as religiões pode ser entendido de duas maneiras: o que há de comum em todos os homens devido à sua natureza humana e o que, de fato, têm em comum as religiões. No primeiro aspecto, é preciso estudar ética, antropologia filosófica, lógica e as demais ciências relativas à natureza humana, para saber em que consiste essa base comum da humanidade que chamamos natureza humana. O segundo aspecto refere-se ao que têm em comum as religiões, para assim sabermos o que uma religião precisa ter para ser aceita em um diálogo inter-religioso. Neste sentido, é estritamente necessário defender a existência de um forte vínculo das religiões com a verdade, isto é, com o conhecimento verdadeiro. Além do mais, temos que dizer que a base comum da religião passa pela base comum do homem, porque, segundo a visão de Bento XVI, o homem é uma criatura que procura e se move pela verdade, e, portanto, deve escolher sempre a religião que entenda ser a mais verdadeira, a mais coerente.
Qual o risco das posições fundamentalistas, no sentido de construir uma falsa mística violenta, como se Deus fosse também violento? Quais as consequências culturais das decisões religiosas fundamentais?
Bernardo Veiga - Hoje, o termo "fundamentalismo religioso" é usado em muitos casos distintos e acabou se tornando um termo equívoco e problemático. Em minha opinião, fundamentalismo religioso não é defender a verdade da própria fé, mas afirmar que as outras religiões são inimigas e devem ser atacadas de qualquer forma, como se Deus quisesse a violência no mundo. E, a partir disto, estamos falando de duas grandes visões sobre Deus: 1- um Deus racional e amoroso e 2- um Deus irracional e sentimental. No primeiro aspecto, que não é fundamentalista, encontramos um Deus que é amor e razão, que congrega em si mesmo a justiça e a misericórdia, que se inclina para o mundo porque faz questão do mundo, porque é a sua criação. Mas age assim porque vê no mundo a sua própria Beleza, pois "vê que tudo era bom" (Gn 1, 31) por ser obra dEle. A segunda visão vê a Deus separando nEle sua sabedoria e seu amor. Isto é, admite que Deus pode criar coisas que são absurdas ou irracionais se Ele assim o quiser, que é o mesmo que dizer que seu amor é maior que sua racionalidade. Há nisso uma diferença sutil, mas que no fim causa discursos totalmente opostos. Veja, quando se diz que Deus é racional e amoroso, que não é fundamentalismo, quer dizer que o próprio Deus se submete às leis da racionalidade. Não é que limitamos o poder de Deus no mundo, mas apenas dizemos que Deus não pode querer o mal, porque ele é a pura Bondade. E o fundamentalismo religioso extrapola a possibilidade de um Deus bom e diz que Ele pode querer, fazer e mandar a violência.
(Em breve, mais textos)
sexta-feira, 21 de agosto de 2009
Fé e Teologia
A teologia cristã só pode ser compreendida a partir da fé de que Deus mostrou quem Ele é, manifestando o seu projeto de salvação para a humanidade. É o que, nós, cristãos, chamamos de REVELAÇÃO.
Revelação significa que Deus diz quem Ele é e propõe a aliança com seu povo. A resposta a essa proposta de Deus se chama FÉ. Portanto, só se pode fazer teologia porque, na fé e pela fé, acolhe-se a Revelação de Deus. O ato de fé parece simples, mas tem muitos componentes. Pode-se comparar a um cavaquinho. Esse pequeno instrumento musical tem apenas quatro cordas. Elas precisam estar afinadas, a fim de que o músico toque a melodia e anime a roda de samba. Assim como o cavaquinho, a fé cristã faz sua melodia com quatro cordas afinadas: a entrega a Deus, o conhecimento, o amor e esperança.
Em primeiro lugar, a fé consiste na atitude de confiar em Deus, entregar o coração a Ele, jogar-se em suas mãos em entrega amorosa. Isso não acontece de uma vez por todas, pois existe uma caminhada, um processo que acompanha a existência.
A fé significa ainda crer naquilo que Deus revela por meio de sua Palavra. Ao acreditar, o ser humano quer conhecer o conteúdo da revelação de Deus. Por isso, a fé, mesmo não sendo meramente racional, precisa da razão, da inteligência e do conhecimento. Deus se revela através de gestos e palavras, num determinado momento da história, de forma que o ser humano possa compreender. A Palavra Divina se manifestou em linguagem humana, com as limitações e condicionamentos que ela supõe. A revelação é continuamente reinterpretada, para alcançar o sentido original que Deus manifestou e assim atualizar sua mensagem.
A terceira corda da fé é a prática do amor, enquanto caridade e solidariedade: “Quem ama nasceu de Deus e conhece a Deus” (1 Jo 4,7). O amor é a forma mais direta de chegar a Deus, mesmo que a pessoa não creia nele ou esteja em uma religião equivocada. Para saber se alguém é do “time” de Deus, basta ver as ações e atitudes e analisar os valores que sustentam sua existência. Quem é “do Bem” age conforme o Bem: nas suas relações pessoais, no trabalho, na Igreja e na sociedade. A reflexão teológica leva os cristãos a refletir sobre o impacto de suas ações individuais e de suas práticas coletivas. A teologia não é somente um estudo teórico sobre a Bíblia e a doutrina cristã, e sim também uma bússola para o cristão atuar no mundo.
A quarta corda da fé diz respeito à Esperança, ao nosso futuro último e definitivo. Na Epístola aos Hebreus, se diz que: “A fé é um modo de possuir aquilo que se espera, é um meio de conhecer realidades que não se vêem ainda” (Hb 11,1). Quando cremos em Deus e estabelecemos relação com a Trindade, através do caminho que é Jesus Cristo, já estamos antecipadamente experimentando um “gostinho” da Eternidade. A Igreja de Jesus é peregrina neste mundo. Embora toque a verdade de Deus, faz isso sempre de forma provisória e imperfeita. O mesmo acontece com seu saber, que é a teologia.
A fé tem muitas dimensões, como um cavaquinho de quatro cordas que tocam afinadas: a adesão a Deus, o conhecimento, a prática do amor solidário e a esperança. A teologia leva em conta essas quatro dimensões da fé, mas se concentra sobretudo no conhecimento. Ela é o momento de dar razão àquilo que acreditamos. E ao conhecermos mais, podemos agir melhor, como lucidez e firmeza. Ao mesmo tempo, o teólogo proclama que Deus está além de todo saber humano. Conhecemos a Deus amando-o, servindo-o e reverenciando-o. Então, a teologia parte da fé e retorna à fé.
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
Bíblia e Teologia
Apresentamos aqui textos de vários téologos, de diferentes Igrejas e correntes teológicas, sobre a relação da Teologia com a Bíblia e a comunidade cristã.
(1) Algumas características da leitura popular da bíblia (Carlos Mesters)
a) Ao ler a Bíblia, o povo das Comunidades traz consigo a sua própria história e tem nos olhos os problemas que vem da realidade dura da sua vida. A Bíblia aparece como um espelho, "sím-bolo" (Hb 9,9; 11,19), daquilo que ele mesmo vive. Estabelece-se uma ligação profunda entre Bíblia e vida. É uma leitura de fé semelhante à que faziam as primeiras comunidades (cf. At 1,16-20; 2,29-35; 4,24-31) e os Santos Padres.
b) A partir desta ligação entre Bíblia e vida, os pobres fazem a maior de todas as descobertas: "Se Deus esteve com aquele povo no passado, então Ele está também conosco nesta luta que fazemos para nos libertar. Ele escuta também o nosso clamor!" (cf. Ex 2,24;3,7). Nasce assim uma nova experiência de Deus e da vida que se torna o critério mais determinante da leitura popular e que menos aparece nas suas explicitações e interpretações. Pois o olhar não se enxerga a si mesmo.
c) Foi surgindo uma nova maneira de se olhar a Bíblia e a sua interpretação. Ela já não é vista como um livro estranho que pertence ao clero, mas sim como o nosso livro, "escrito para nós que tocamos o fim dos tempos" (1Cor 10,11). Às vezes, ela chega a ser o primeiro instrumento de uma análise mais crítica da realidade. Por exemplo, a respeito de uma empresa opressora do povo, o pessoal da comunidade dizia: "É o Golias que temos que enfrentar!"
d) Pouco a pouco, cresce a descoberta de que a Palavra de Deus não está só na Bíblia, mas também na vida, e de que o objetivo principal da leitura da Bíblia não é interpretar a Bíblia, mas sim interpretar a vida com a ajuda da Bíblia. A Bíblia ajuda a descobrir que a Palavra de Deus, antes de ser lida na Bíblia, já existia na vida. As comunidades descobrem que a sua caminhada é bíblica. “Na verdade, o Senhor está neste lugar, e eu não o sabia” (Gn 28,16)!
e) A Bíblia entra na vida do povo não pela porta da imposição autoritária, mas sim pela porta da experiência pessoal e comunitária. Ela se faz presente não como um livro que impõe uma doutrina de cima para baixo, mas como uma Boa Nova que revela a presença libertadora de Deus na vida e na luta do povo. Os que participam dos grupos bíblicos se encarregam de divulgar esta Boa Notícia e atraem outras pessoas para participar. “Vinde ver um homem que me contou toda a minha vida!” (Jo 4,29).
f) A interpretação que o povo faz da Bíblia é uma atividade que compreende não só a contribuição intelectual do teólogo*, mas também todo o processo de participação da Comunidade: trabalho e estudo de grupo, leitura pessoal e comunitária, teatro, celebrações, orações, recreios, “enfim, tudo que é verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, honroso, virtuoso ou que de qualquer maneira merece louvor” (Fl 4,8). Aqui aparecem a riqueza da criatividade popular e a amplidão das intuições que vão nascendo.g) Para uma boa interpretação, é muito importante o ambiente de fé e de fraternidade, através de cantos, orações e celebrações. Sem este contexto do Espírito, não se chega a descobrir o sentido que o texto tem para nós hoje. Pois o sentido da Bíblia não é só uma idéia ou uma mensagem que se capta com a razão e se objetiva através de raciocínios; é também um sentir, um conforto que é sentido com o coração, “para que, pela perseverança e pela consolação que nos proporcionam as Escrituras, tenhamos esperança” (Rm 15,4)
(1) Algumas características da leitura popular da bíblia (Carlos Mesters)
a) Ao ler a Bíblia, o povo das Comunidades traz consigo a sua própria história e tem nos olhos os problemas que vem da realidade dura da sua vida. A Bíblia aparece como um espelho, "sím-bolo" (Hb 9,9; 11,19), daquilo que ele mesmo vive. Estabelece-se uma ligação profunda entre Bíblia e vida. É uma leitura de fé semelhante à que faziam as primeiras comunidades (cf. At 1,16-20; 2,29-35; 4,24-31) e os Santos Padres.
b) A partir desta ligação entre Bíblia e vida, os pobres fazem a maior de todas as descobertas: "Se Deus esteve com aquele povo no passado, então Ele está também conosco nesta luta que fazemos para nos libertar. Ele escuta também o nosso clamor!" (cf. Ex 2,24;3,7). Nasce assim uma nova experiência de Deus e da vida que se torna o critério mais determinante da leitura popular e que menos aparece nas suas explicitações e interpretações. Pois o olhar não se enxerga a si mesmo.
c) Foi surgindo uma nova maneira de se olhar a Bíblia e a sua interpretação. Ela já não é vista como um livro estranho que pertence ao clero, mas sim como o nosso livro, "escrito para nós que tocamos o fim dos tempos" (1Cor 10,11). Às vezes, ela chega a ser o primeiro instrumento de uma análise mais crítica da realidade. Por exemplo, a respeito de uma empresa opressora do povo, o pessoal da comunidade dizia: "É o Golias que temos que enfrentar!"
d) Pouco a pouco, cresce a descoberta de que a Palavra de Deus não está só na Bíblia, mas também na vida, e de que o objetivo principal da leitura da Bíblia não é interpretar a Bíblia, mas sim interpretar a vida com a ajuda da Bíblia. A Bíblia ajuda a descobrir que a Palavra de Deus, antes de ser lida na Bíblia, já existia na vida. As comunidades descobrem que a sua caminhada é bíblica. “Na verdade, o Senhor está neste lugar, e eu não o sabia” (Gn 28,16)!
e) A Bíblia entra na vida do povo não pela porta da imposição autoritária, mas sim pela porta da experiência pessoal e comunitária. Ela se faz presente não como um livro que impõe uma doutrina de cima para baixo, mas como uma Boa Nova que revela a presença libertadora de Deus na vida e na luta do povo. Os que participam dos grupos bíblicos se encarregam de divulgar esta Boa Notícia e atraem outras pessoas para participar. “Vinde ver um homem que me contou toda a minha vida!” (Jo 4,29).
f) A interpretação que o povo faz da Bíblia é uma atividade que compreende não só a contribuição intelectual do teólogo*, mas também todo o processo de participação da Comunidade: trabalho e estudo de grupo, leitura pessoal e comunitária, teatro, celebrações, orações, recreios, “enfim, tudo que é verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, honroso, virtuoso ou que de qualquer maneira merece louvor” (Fl 4,8). Aqui aparecem a riqueza da criatividade popular e a amplidão das intuições que vão nascendo.g) Para uma boa interpretação, é muito importante o ambiente de fé e de fraternidade, através de cantos, orações e celebrações. Sem este contexto do Espírito, não se chega a descobrir o sentido que o texto tem para nós hoje. Pois o sentido da Bíblia não é só uma idéia ou uma mensagem que se capta com a razão e se objetiva através de raciocínios; é também um sentir, um conforto que é sentido com o coração, “para que, pela perseverança e pela consolação que nos proporcionam as Escrituras, tenhamos esperança” (Rm 15,4)
Conceito de Teologia
Seguem abaixo vários conceitos de teologia cristã, de diferentes autores.
"A teologia cristã é uma reflexão, sistemática e crítica, esperançada e sábia, sobre a fé cristã, vivida e transmitida nas comunidades eclesiais, a serviço da evangelização" (Afonso Murad)
"A teologia cristã é uma reflexão, sistemática e crítica, esperançada e sábia, sobre a fé cristã, vivida e transmitida nas comunidades eclesiais, a serviço da evangelização" (Afonso Murad)
Teologia em imagens
No nosso país, praticamente cada capital de estado tem uma orquestra sinfônica, que apresenta sobretudo concertos de música clássica. Algumas cidades mantêm bandas e fanfarras, que são mais populares. Quem vai à apresentação de uma orquestra ou acompanha o alegre cortejo da banda, delicia-se com a melodia.
Os músicos, além dos respectivos instrumentos, carregam consigo a pauta musical. Nela estão escritas as notas musicais, o compasso do tempo, os acordes, os arranjos e outras informações úteis para a execução da música. O público que assiste a um concerto ou acompanha a banda não está interessado em ler aqueles papéis. Quer curtir o som. Somente o músico sabe como a pauta é importante. Ela garante que a composição seja executada com precisão e fidelidade.
A fé cristã é como a música que alegra o coração, desperta sentimentos ternos, eleva a alma, pacifica, ajuda o ser humano a entrar em sintonia consigo e com a beleza do mundo. Já o músico, que executa a melodia no seu instrumento, é o teólogo(a). Ele(a) precisa conhecer a teoria musical e desenvolver a habilidade de tocar o instrumento com precisão, criatividade e gosto. Se a fé é como a música, a teologia se assemelha à pauta musical. Lá estão fixadas, para as gerações atuais e futuras, as notas, os compassos e os arranjos da fé cristã.
A música é sempre mais do que a pauta. A pauta é somente um humilde serviço para executar bem a música. Assim acontece com a teologia.
Fonte: Afonso Murad, A casa da Teologia (em elaboração)
Os músicos, além dos respectivos instrumentos, carregam consigo a pauta musical. Nela estão escritas as notas musicais, o compasso do tempo, os acordes, os arranjos e outras informações úteis para a execução da música. O público que assiste a um concerto ou acompanha a banda não está interessado em ler aqueles papéis. Quer curtir o som. Somente o músico sabe como a pauta é importante. Ela garante que a composição seja executada com precisão e fidelidade.
A fé cristã é como a música que alegra o coração, desperta sentimentos ternos, eleva a alma, pacifica, ajuda o ser humano a entrar em sintonia consigo e com a beleza do mundo. Já o músico, que executa a melodia no seu instrumento, é o teólogo(a). Ele(a) precisa conhecer a teoria musical e desenvolver a habilidade de tocar o instrumento com precisão, criatividade e gosto. Se a fé é como a música, a teologia se assemelha à pauta musical. Lá estão fixadas, para as gerações atuais e futuras, as notas, os compassos e os arranjos da fé cristã.
A música é sempre mais do que a pauta. A pauta é somente um humilde serviço para executar bem a música. Assim acontece com a teologia.
Fonte: Afonso Murad, A casa da Teologia (em elaboração)
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