domingo, 4 de dezembro de 2011

O momento atual da teologia

Nesta entrevista concedida a Flávio Senra, o teólogo João Batista Libanio apresenta um quadro resumido dos principais desafios e oportunidades da Teologia no atual cenário brasileiro.

Como você avalia a situação atual da Teologia?
O mapa teológico apresenta-se vastíssimo. Difícil de emitir juízo global. A tendência acadêmica atual, forte nas universidades e incentivada pela CAPES, acentua a especialização em autores, textos cada vez mais restritos. Avança-se em profundidade textual. Perde-se em amplidão de horizontes, em sínteses complexas. Abrem-se novos campos de estudo como o da teologia das religiões. Faustino Teixeira tornou-se referência importante nesse setor. Com efeito, a proliferação dos cursos de Ciências das Religiões está a produzir literatura de diálogo nessa fronteira. Falta ainda clareza. Mas progride-se em oferecer alimento religioso para ambientes alheios à fé cristã.
A espiritualidade tem seduzido excelentes teólogos e teólogas. Assinalo aqui alguns últimos escritos de Maria Clara L. Bingemer, além de Faustino Teixeira que visita bastante esse departamento teológico. A ecologia tem ocupado as principais preocupações de L. Boff com vastíssima obra. Os clássicos tratados de teologia ainda provocam textos dirigidos principalmente aos estudantes e interessados pela teologia. Além da coleção Teologia e Libertação, que infelizmente por razões de contingências adversas encerrou o projeto de uns 50 volumes, publicando um bom número de 30, a editora espanhola Siquém em convênio com as Paulinas vem publicando manuais de teologia de nível médio na coleção Livros Básicos de Teologia. A FAJE prossegue na publicação das coleções Bíblica e Theologica com obras de peso.

Predomina no momento a literatura teológica de consolo, de autoajuda com tiragens altíssimas, de conteúdo fluido, superficial e midiático. Sob certo sentido, cresce o mercado teológico, mas não dos livros de peso e sim os de divulgação espiritualizante. Percebe-se queda do interesse pelo estudo sério da teologia no meio do clero e dos religiosos/as. Em compensação, aumenta a faixa de leigos que procuram aumentar a cultura teológica. No Brasil ainda se considera luxo comprar livro. Em qualquer pequeno aperto orçamentário, risca-se esse objeto da lista enquanto entram objetos supérfluos de consumo, especialmente eletrônico.

O novo mundo produzido pela técnica e seus desafios para a compreensão da vida, o esgotamento do modelo das sociedades de consumo, a revolução sexual e as novas configurações da família, a situação da pobreza e o desafio ecológico, o colapso dos sistemas de representação e a nova geopolítica global, os fundamentalismos religiosos estão em destaque na pauta mundial. Como a teologia pode se posicionar neste cenário?
De fato, a pergunta elenca ladainha pesada de problemas que desafiam a vida do cristão. E a teologia oferece-se como reflexão sobre a fé. Nesse sentido, afetam-na todas essas questões.
A técnica está a transformar a cultura cada vez mais intensamente. Nos inícios, ela aliviava o corpo do peso muscular. Em vez de capinar horas a fio, o trator liberou os braços do camponês. Para quê? Teilhard de Chardin imaginou que iríamos ter mais tempo para tarefas intelectuais e espirituais. Talvez tenha resultado, em parte, verdade. As pessoas começaram a dispor de mais tempo livre para lazer e outras atividades.

Nesse momento, porém, a tecnologia avançou e prolongou os sentidos, especialmente o ouvido e a vista com enorme parafernália de TV, vídeos, DVDs, etc. Ela entra precisamente quando o espaço vazio do trabalho manual poderia ser preenchido por atividades intelectuais e espirituais. No entanto, acabou ocupando as pessoas com programas de TV que primam por muita estupidez e alienação, sem desenvolver necessariamente a capacidade intelectual nem espiritual. Há, porém, na pluralidade de canais ofertas de melhor nível, freqüentadas menos pelas grandes massas.
No atual momento, a tecnologia pretende mais. Quer afetar diretamente o cérebro, ampliando as possibilidades de conhecimento, sobretudo pela Internet e pelo conjunto de possibilidades que ela abre. De novo, a ambiguidade desse meio tem produzido efeitos realmente de avanço cultural como de degradação moral. Então, desafia a fé cristã assumir tal avanço tecnológico das três ondas e oferecer alimento cultural e espiritual.

No referente à sociedade de consumo, não diria que no Brasil ela demonstre sinais de esgotamento. Antes, alardeia-se nos jornais o acesso das classes C e D ao consumo. E a crise financeira atual tem produzido menor impacto sobre a economia brasileira, em parte devido ao crescimento do consumo da população. Mais. Infelizmente a mentalidade consumista cresce, especialmente no meio das crianças e dos jovens. Aqui a teologia de viés ecológico tem trabalhado para acordar o cristão para vida de sobriedade a partir da mensagem e prática de Jesus.
A revolução sexual tem tido positivas influências na teologia, a começar por as mulheres assumirem papel protagonista na produção teológica que vai além da reflexão sobre a mulher. Interpreta toda a teologia sob o ponto de vista da mulher com reflexões originais. Além disso, a temática sexual interessa cada vez mais a teólogos/as, apesar de toda dificuldade no interior da Igreja católica de tratar de tal assunto. Haja vista o livro do teólogo inglês J. Alison, radicado no Brasil. Obra inteligente de fina sensibilidade, de densidade e de alto nível teológico [Fé Além do Ressentimento. Fragmentos católicos em voz gay. São Paulo: É Realizações Editora, 2010].

A temática da família tem merecido relevo, talvez mais em cursos e palestras do que em escritos. Outro tema bem delicado em face da pluralidade de famílias e de relações entre cônjuges que se constituem e buscam legitimidade ético-social. E as religiões têm tido dificuldade em enfrentar tal problemática por conta de suas longas tradições firmadas na leitura bíblica de família monogâmica, entre homem e mulher em vista da procriação com vínculo estável. O mapa familiar da atual sociedade embaralha a vista de quem se põe nesse horizonte único.
A situação dos pobres permanece, na presente sociedade, igualmente ou senão mais grave. À condição de empobrecido socioestruturalmente soma-se-lhe a de segregado da cultura informatizada, agravando-lhe a exclusão. Pobres se tornam invisíveis no sentido de serem alijados para as periferias distantes e, sob certo sentido, escondidos atrás de aparência melhorada e até, não raro, com acesso a celular e outros produtos eletrônicos. Não se sabe a custo de quê. Continua válida a preocupação fundamental da teologia da libertação de batalhar na linha da emancipação dos pobres antigos e novos.

Já apontei o problema ecológico como grave e urgente interrogante para a teologia. Mais uma vez menciono o ingente trabalho teológico de L. Boff. Assistimos a certo colapso dos sistemas de representação e ao surgimento de nova geopolítica global. A teologia política e a teologia pública, bem próximas da teologia da libertação, assumiram a tarefa de pensar tal questão. Teólogos/as, especialmente ligados/as ao Instituto Humanitas da Unisinos, têm produzido e recolhido de todas as partes contribuições significativas nesse campo.

E finalmente a pergunta se dirigiu aos fundamentalismos. Os teólogos das religiões e do diálogo interreligioso debruçam-se sobre tal tema. Na minha análise, cabe diferença básica entre religião, religiosidade e fé. A religião, como tal, não gera e não dissolve violências nem fanatismos nem fundamentalismos. Depende de que doutrinas religiosas ela administra. Além disso, a religiosidade responde primordialmente à experiência das pessoas no interior de uma cultura. A fé, por sua vez, remonta à revelação. Essa trilogia necessita ser distinguida e articulada. Remeto o leitor à reflexão que fiz em que distingui e articulei religião, religiosidade e fé [A Religião no início do milênio, 2º ed. São Paulo: Loyola, 2011, p. 87-110]. Conforme se entenda cada uma dessas dimensões religiosas, a problemática se encaminha em direções diferentes. A imprensa mistura os campos, gerando imagem negativa de toda religião e fé. A teologia tem elementos para contrapor-se a tal jogada ideológica, situando a questão nos diversos momentos da história.

O reconhecimento civil da Teologia abre um novo cenário para o ensino teológico. Também o surgimento de novas escolas teológicas tem apontado outras perspectivas do ensino. Em que esta realidade favorece a produção teológica?
A multiplicação de Institutos e Faculdades teológicas está a produzir dois efeitos antitéticos. De um lado, tem feito aumentar o interesse pela teologia e assim tem estimulado o crescimento da produção teológica. O aumento do público provoca as fábricas de teologia a se multiplicarem e a ampliarem a própria produção segundo a demanda do mercado. Negativamente, porém, corre-se o risco de baixar o nível da produção por afã de satisfazer rapidamente ao consumismo religioso. Além disso, o maior número de graduados e pós-graduados permite aceder mais facilmente a esse grau, sem tanta preparação e capacidade teórica. Teme-se isso muito mais nas Instituições de corte pentecostal e neopentecosal que sofrem maior pressão de crescente clientela a exigir mais teologia para seu consumo.

Um comentário:

  1. Falou, falou, mas não informou o cerne da teologia moderna, notadamente europeia, que diz que Deus não ajuda e nem faz nada por ninguém e que a oração, portanto, não tem efeito junto à divindade, pairando apenas no plano psicológico, que Jesus é um homem brilhante como outros que despontaram no mundo e que o Espírito Santo está no plano da filosofia.

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