sábado, 13 de março de 2010

O reformador Calvino

Trechos da Entrevista à IHU On-Line (revista eletrônica do Instituto Humanitas da UNISINOS) de Bernard Cottret, professor universitário, autor de uma famosa “Biografia de Calvino” .

O que faz a diferença do empreendimento de Calvino e de Lutero de “purificar” o cristianismo?
Bernard Cottret - Lutero, em sua concepção do sacramento, permanece ligado à substância. Nele, fala-se de consubstanciação a propósito da Santa Ceia, e o pão e o vinho coexistem com o corpo e o sangue do Salvador. Para Calvino, isso não tem sentido; ele muda radicalmente de perspectiva por sua teoria do signo. A purificação calvinista do cristianismo consiste em extirpar impiedosamente a idolatria, incluindo a liturgia. Praticamente não há arte sacra calvinista – quando há evidentemente uma arte sacra luterana, anglicana .... católica.

Quais são os pontos de proximidade e de ruptura que o senhor destacaria entre estes dois reformadores?
Bernard Cottret - Lutero e Calvino têm, ao mesmo tempo, teologias próximas por sua afirmação da justificação pela fé ou sua recusa do sacrifício da missa, mas também dessemelhanças. É, pois, falso reduzir, como se faz com frequência, o calvinismo somente à predestinação.

Quais são as influências do “Calvino jurista” no “Calvino teólogo”? A austeridade de seu pensamento seria explicada por esta diferença?
Bernard Cottret - Calvino é jurista onde Lutero e os outros receberam uma formação clássica de teólogos católicos. Isso induz diversas características notáveis que eu destaquei em minha biografia:
1) Calvino permanece profundamente laico;
2) Ele jamais recebeu consagração pastoral, enquanto Lutero e os outros são antigos padres;
3) De maneira igualmente essencial, ele recusa dissociar a Lei e a Graça, a Torah e o Evangelho. De onde provém, sem dúvida, o filo-semitismo notável de diversos reformadores, no qual Lutero se mostra funcionalmente antijudaico.

Em que medida o calvinismo é uma reação ao protestantismo e ao catolicismo?
Bernard Cottret - O calvinismo é uma construção dogmática que eu distinguiria da fé viva de Calvino. Muitos protestantes calvinistas preferem dizerem-se reformados para não incorrer na censura de idolatria. Um bom calvinista não deveria dizer-se “calvinista”, e, em sua origem, o calvinismo é uma invenção de luteranos da segunda ou terceira geração, hostis à teologia de Calvino, em particular sobre as questões eucarísticas. Calvino em todo o caso não queria ser calvinista...

O calvinismo foi uma segunda fase do protestantismo?
Bernard Cottret - Embora ele tenha aparecido historicamente após Lutero, Calvino promoveu uma teologia profundamente original, e é difícil falar de uma segunda fase ou de um aprofundamento. É fundamentalmente outra tradição cultural, ligada ao humanismo francês – pista que eu explorei em minha biografia.

Qual é a atualidade de Calvino 500 anos após seu nascimento?
Bernard Cottret - A tarefa do historiador parece-me ser a de sempre: descartar o anacronismo, e eu desconfio de expressões como “a atualidade de Calvino”. No fundo, e para retomar Calvino sobre este ponto, sua atualidade se dá no aspecto do olhar ou da fé. Não existe atualidade em si de Calvino, de Marx ou de Jesus, mas continua a permanente exigência de uma renovação interior. Ou, para empregar outra palavra, de uma reforma sempre ativa.

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